segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Vai mais um pouco de Encrenca??


Parte 1




Uma semana havia se passado desde o episódio do tiroteio na estrada. Jack fumava um cigarro e bebia uma latinha de cerveja, imerso dentro da imunda banheira de seu apartamentinho cheio de pulgas no centro da cidade. Estava de licença do serviço (forçada)
 e, nesse meio tempo, pensava no que faria com a coca que tinha encontrado no porta-malas do carro do cara que não pôde ser identificado porque estava com a cara toda fodida de tiro. Um dos planos de Jack era passar a droga pra frente através de um intermediário; só que, detestava a idéia de ter que dar uma fatia do bolo na mão de um marginal.

Depois de muito pensar, chegou à conclusão de que o troço teria que ser feito dessa forma mesmo, uma vez que não podia negociar diretamente com os grandões, já que tinha o rostinho mais conhecido que nota de dois reais no mundo da criminalidade (coisa da qual se gabava sempre que possível, entre umas e outras, na companhia de seu ex-parceiro Tonho Boca Santa, que o Capeta o tenha...). Com o dinheiro da venda da droga planejava dar o fora daquele lugar de uma vez por todas e começar do zero em alguma cidade do interior... Seus planos iam de montar um puteiro a montar uma lojinha de eletrônicos contrabandeados, passando por montar um sex shop ou um açougue.

Terminou seu banho e foi até o quarto, meio enxugado, meio pingando. Vestiu uma roupa qualquer, tomou um trago do cantilzinho de bebida barata e pôs o berro na cintura, com o cabo pra fora e o resto pra dentro da cueca. Agradava-lhe a sensação geladinha e pesada do Colt Anaconda .44 Provável Morte Em Seis Chances. Foi até a cozinha e arrastou a geladeira; debaixo dela tinha um retângulo de azulejo solto. “Destapou” o buraco e tirou de lá de dentro a coca. Transferiu tudo praquela mesma enorme mala de viagem preta onde as tinha encontrado, no dia da troca de tiros. Arrastou a geladeira de volta pro lugar e, sem nem se preocupar em trancar o apartamento, saiu. Apreensivo e com sangue nos olhos, foi atrás de Estella Três Dedos – um antigo caso de amor –, no coração do subúrbio, à procura de uma solução pro seu problema.





Parte 2



Estella Três Dedos era uma cigana manca, mais ou menos velha, que nunca errava em suas previsões. Da única (e última) vez em que errara, teve uma das mãos arrancadas por um facão de lâmina cega e, dois dedos da outra, puxados até arrancar com um alicate –

daqueles que você ajusta a exata pressão que quer através de um tipo de um dispositivo – pelo traficante mais fodidão do pedaço: Marcão Navalha Cega. Estava sentada atrás de sua mesa de madeira maciça, fumando um charuto barato, quando Jack entrou. Deixou seu charuto cair e imediatamente se pôs de pé, assustada pra caralho.

– O que você quer aqui, porco? – latiu, lançando uma cusparada no chão em seguida.

– Calma Estellinha... – disse Jack, calmamente, meio malandro. – Só preciso dar com você uma palavrinha ou duas...

– De jeito nenhum, seu filho da puta! Se o Marcão descobre que você está aqui... – disse Estella, arregalando os olhos e dando uma negativa com a cabeça.

– Eu sei, eu sei. Você perde os seus outros lindos dedinhos. Isso se tiver sorte... – disse Jack, sarcasticamente.

– E você perde esse teu pau inútil... se tiver sorte – disse Estella, devolvendo o sarcasmo e mais um pouco.

– Hahaha, já acabei com vagabundo muito pior do que esse teu Marcão Gilete Enferrujado – disse Jack, “tirando a sujeira do ombro” pra mostrar que o vago pra ele, não era nada.

– Mas ele...

– Escuta, foda-se o Marcão, Macarrão, Maricão ou sei lá que merda. Foda-se esse filho da puta. Estouro o rabo desse cuzão em dois tempos. Agora, ou você me ajuda, ou eu mesmo arranco esses teus três dedinhos enrugados e enfio no teu cú, piranha!

– Seu filho da puta. Continua o mesmo de sempre...

– É, você também Estellinha. E quem sabe, depois dessa nossa consulta a gente não troca uma idéiazinha lá atrás, como nos velhos tempos? Hein?? Não ligo pras tuas duas mãos fodidas, não são elas que eu vou foder mesmo, hehehe.

– Cachorro, filho de uma cadela cega! ...senta logo aí! O pagamento é R$ 300,00, adiantados!

– Porra nenhuma!

– Você paga se quiser, e se não quiser, vai caindo fora que eu tenho que lavar umas calcinhas lá atrás.

– Puta que pariu... mercenária do caralho. Toma aí essa merda.

– Ótimo, ótimo. Agora vem, me dê a pata... Virada pra cima idiota! Agora, me diz, o que quer saber?

– Sobre um negócio aí, dos grandes.

– Que tipo de negócio?

– Uma venda.

– Sim, mas do quê?

– Caralho, quer saber a cor da minha cueca também e o que eu comi na noite passada?

– Preciso de todos os detalhes possíveis! Se você se foder depois, coisa que com a minha ajuda ou não eu espero que aconteça, é por sua própria conta e risco. Não devolvo o dinheiro de ninguém!

– Tá bom, tá bom. Digamos que eu estou com essa mala cheia de cocaína que eu achei dentro do carro de um vago depois de uma troca de tiros na semana passada...

No que Jack disse isso, Estella imediatamente soltou sua mão e deu um pulo da cadeira. Apavorada, gritou:

– SAI DAQUI SEU FILHO DA PUTA! SAI DAQUI!!

– Que merda é essa Estella?! Não fode, porra!

– SAI DAQUI JÁ! TOMA A MERDA DO SEU DINHEIRO, NÃO QUERO MAIS ESSA PORRA!!

Nesse momento, chutando a porta, entrou Marcão Navalha Cega com dois capangas fortemente armados para a terceira guerra mundial. Ele deu um sorriso sórdido com o canto da boca rasgado, descansando a mão em cima do cabo de sua famosa Navalha Cega presa na cintura. Stella, num movimento rápido, sacou da espingarda calibre 12 debaixo da saia imunda, e disparou no meio da fuça de um dos capangas. Na sequência, foi alvejada por trinta tiros de submetralhadora HK MP5 K até o negócio começar a fazer tec tec tec. Jack permaneceu ali, de pé no meio da sala, fingindo impassibilidade, ainda segurando a enorme mala na mão. Marcão soltou um risadinha chiada e desagradável, e se dirigiu a ele:

– Olá Jaaaackkkk... Há quanto tempo, neném.

Jack continuou parado, olhando Marcão nos olhos e pensando no próximo movimento. O cabo de seu pesado Colt Anaconda .44 Provável Morte em Seis Chances estava oculto pela sua grande pança de anos e anos de fritura e cervejinha em boteco. Tinha um plano; levemente, moveu a mão esquerda em direção as costas, de propósito.

– Nem pense nisso, Jack – disse Marcão, fazendo que não com a cabeça e ainda sorrindo daquele jeito nojento. – Sabe, essa tua mala de viagem parece muito com uma que eu perdi há... há... Há quanto tempo mesmo, hein, Tião Boca de Sapo?

– Há uma semana atrás, chefe – respondeu o cara de sapo. – Quer que eu arrombe esse filho da puta?

– Calma, calma, Boca de Sapo. Antes, a gente vai brincar um pouco. Não é, Jack? O que me diz? Te dou três escolhas: posso usar essa minha adorável Navalha Cega pra cortar fora os teus bagos ou, posso usá-la pra cortar fora esse trocinho que tu tem pendurado no meio das pernas.

Jack, ainda disfarçando uma certa impassibilidade, perguntou:

– E qual é a terceira?

– A terceira? É cortar os dois ao mesmo tempo!! – respondeu Marcão Navalha Cega, se matando de rir com aquela risadinha desagradável.

Era isso mesmo que Jack esperava; puxou o Colt Anaconda de dentro da parte da frente da cueca e estourou a cabeça de sapo do Tião Boca de Sapo, que por sua vez, quando apertou o gatilho, já estava com a bala atravessada na cabeça horrorosa e uma expressão de sapo pego no meio do pulo por uma cobra. Quando caiu pra trás, caiu atirando, fazendo 30 buracos no teto até a arma fazer tec tec tec; mas antes da arma fazer tec tec tec, e mais precisamente, antes do terceiro tiro da metralhadora, Jack já tinha puxado o gatilho novamente na direção de Marcão, e esse, mesmo se matando de dar risada, estava com meio olho aberto vendo tudo, por isso, apertou o gatilho também, praticamente no mesmo instante. Os dois caíram feito bosta; cada um com um tiro fatal.

Marcão morreu na hora; chamou pela mãe, que não o escutou.





Parte 3



Capitão Denis chegou à cena do crime. Não era de seu conhecimento o por quê de Jack estar lá, mas diante daquilo tudo, só podia imaginar que no relatório daquela outra troca de tiros na estrada, Jack tinha ocultado um terceiro criminoso que fugira da cena, exatamente pra mais tarde poder ir atrás dele e vingar a morte de Tonho Boca Santa sem maiores problemas. Esse era o Jack Aníbal, mais conhecido como Jack Animal, não era flor que se cheirasse, tinha lá seus métodos, mas à seu modo, cumpria seu dever. Capitão Denis pensou que se fosse em sua época, como policial das ruas, também agiria da mesma forma. Se chegou nos legistas e foi ter com eles seus pareceres, assinou uns papéis sem ler, trabalho burocrático nunca fora seu forte. Estava cansado daquela vida.


Epílogo

Mais tarde, dentro dum Corsa preto com os vidros filmados, uma figura obscura carregava dentro do porta-malas a mala de viagem cheia de cocaína e suja de sangue ainda úmido.

De uma mínima fresta do vidro, podia se ouvir a voz de Jim Morrison cantando:

“Riders on the storm... There´s a killer on the Road...”




Continua…

2 comentários:

Jacqueline K disse...

Cara, eu já tinha lido a tua ficção e percebido o tanto de histórias sórdidas e sujas ainda viriam por ai. Esta está muito bem bolada e com alguns toques de humor sombrio, com uma surpresa no final, e aparentando que ainda daria mais uma oud duas partes, para elucidar pontos obscuros ou para simplesmente contar algumas das aventuras no meio. A parte da colt Anaconda.44 ria me fez rir, não sei por quê. E a úlitima linha (apesar da morte simultânea ser recorrente em várias histórias) deu um ranço de poesia e vazio. Ficou muuuiiiitto bom!

Jacqueline K disse...

Como sempre, digito com as ideias a mil e os dedos sem ocordenação nenhuma, mas... você entendeu, não é?