terça-feira, 30 de novembro de 2010

Pata de Animal temperada com alvejante sabor abacaxi

1.



De volta pra minha maloca, primeiro mandei o Janda soltar o Sushi-Ninja – com algumas costelas quebradas, 9 dentes faltando e sem uma das orelhas, causaria uma bela impressão quando voltasse correndo pra mamãe, digo, pro Denis. Era o que merecia por ter me quebrado dois dentes de trás. Porra, como é que eu ia fazer pra comer carne de segunda agora? Isso era o mínimo que eu podia fazer em retribuição.

– Só isso, Jack? – perguntou Janda.

– Por enquanto.

– Não querendo me adiantar, mas será que tu não tem algum pra molhar o meu bico? Sacumé, né? Tenho a patroa, o leitinho das crianças...

Apenas precisei me agachar, pegando o torquês ensanguentado – que eu tinha usado no Sushi –, pra que ele entendesse o recado. Odiava esses viados que não sabiam esperar e ficavam me acelerando. Janda ia receber a parte dele antes do fim daquilo tudo, como a gente tinha combinado.

Fui até o quarto checar a Alicia.

Assim que abri a porta, a doida pulou em cima de mim, me acertando a cabeça com um quadro de quinta categoria. Nem tinha doído, mas fui obrigado a aplicar-lhe um sopapo mais ou menos forte. Caiu e ficou me observando com olhos de animal acuado. Só que ela não era animal acuado porra nenhuma...

– Posso saber por que isso? – perguntei, me livrando da moldura do quadro que tinha entalado no meu pescoço.

– Seu filho da puta, você me bateu! – e veio pra cima, com as unhas.

Deixei que ela me unhasse um pouco. Em seguida prendi seus braços e segurei até que ela parasse com aquilo. Por fim, falei:

– Terminou?

– Desgraçado!

– Olha, a idéia disso tudo foi tua. Não vem com merda pra cima de mim agora.

– Aquele animal me apagou com um mata leão! – fez escândalo, mostrando os dentinhos pontudos, se referindo ao Janda.

– Ele disse que tu tava dando showzinho. Tu não tava?

– Vocês são dois filhos da puta que batem em mulher! Depois que tudo isso acabar, quem sabe eu mesma não reúno uns capangas pra...

– O papai ia adorar descobrir que a linda filhinha é uma puta. Aliás, quem sabe ela não acaba virando uma – soltei, lambendo os beiços, fazendo cena, aquela coisa.

– Você não ousaria...

– Tu conhece o que de mim?... Só as historinhas que o teu papai te contou. Quero dizer, as que EU podia contar pra ele. Tá sacando?

Com essa, a princesinha calou a boca e foi entrando pra dentro do quarto, batendo a porta e tudo o mais, que nem a garotinha que tinha tomado leitinho desde criança e que tinha crescido e se tornado só mais uma puta sem coração que era capaz de passar rasteira no próprio pai; mais uma entre muitas.

Ah se o papai soubesse das tramóias de sua linda bonequinha de porcelana... Ah se ele soubesse que naquele cuzinho não havia mais pregas...

Alguns minutos depois, recebi a ligação de um Denis completamente transtornado e esbaforido confirmando o “pagamento”.

– Cê não fez nada com ela né, seu filho da puta?!

– Ainda não. Mas tô olhando pra ela agora e ela tá dormindo só de camisola, sem calcinha.

– Seu, seu...

Desliguei.

Avisei a Alicia e o Janda - que por sua vez, avisou a bunda.

Como era mesmo o nome da bunda?... Ah, Katieli...





2.



Katieli entrou pela porta da frente, eu, pela de trás, me livrando de um ou dois seguranças mais fora de forma do que eu mesmo. Janda ficou dentro do carro, parado mais ou menos longe, com a princesinha disfarçada de peruca e óculos escuros.

O combinado era eu ficar de prontidão, pra caso desse alguma merda. Só que Denis ainda tinha uma carta na manga, ou duas. Eu devia ter sacado que tinha sido fácil demais entrar. Quando ouvi o som dos tiros e corre-corre provenientes do bar, soube que Katieli – na verdade Paulão Metranca Nervosa – tinha começado o show sem mim. O disfarce tinha sido perfeito, claro, quem é que ia desconfiar duma bunda daquelas? Quem é que ia saber que uma bunda daquelas estaria carregando duas submetrancas por debaixo da saia? Quem é que desconfiaria dum disface daqueles? Até eu estava achando que o Paulão tinha realmente amolecido depois de tantos anos no jogo e virado a casaca. Isso até ouvir aquela doida, digo, doido, rindo que nem o capeta virado no capeta, sem tirar o dedo do gatilho por nenhum momento...

E aí eu soube que tinha dado merda. Porque nada podia dar certo? Não tinha tido uma noite de paz desde que tinha posto as mãos naquela maldita mala de cocaína. É só que agora era tarde demais pra amarelar e voltar pra casa chorando. Então eu engatilhei o meu revólver e me preparei pra entrar. Mas não é que senti o cano de uma quadrada contra a parte de trás do meu pescoço?

– Larga.

Era a voz do Sushi Caolho. O filho da puta simplesmente não sabia quando desistir. Larguei, e, num giro de corpo tomei-lhe a arma e apliquei uma joelhada naquelas costelas recém-partidas, partindo mais algumas e fazendo outras saltarem pra fora. Foi pro chão e eu chutei sua cara feia. Larguei-o ali; não ia se levantar tão cedo. Sua quadrada – com um dragão feito de pedras preciosas incrustadas no cabo de madrepérola – parecia bem melhor do que o meu velho Colt Anaconda. 44 Provável Morte Certa em Seis Tiros. Fiz a troca ali mesmo e entrei.

Metranca Nervosa berrava, sem dar folga no dedo no gatilho e com o vestido todo rasgado e um salto quebrado. Só faltava a faixa vermelha amarrada na cabeça pra ficar a cara do Rambo. Ao redor dele, cadáveres de capangas do Denis se avolumavam. Todos fora de forma que nem os dois que eu tinha abatido; o único que valia de algo ali provavelmente era o Sushi. Mas bem, por hora, esse tava fora da jogada; talvez pra sempre, talvez não. Gostaria que ele sobrevivesse pra eu que eu pudesse voltar a chutar aquele rabo mais uma vez. Só que não foi bem isso que aconteceu mais tarde... mas, continuemos...

No meio do zun zun zun das balas, procurei pelo Denis, mas ele não tava lá. Agachado, fui até onde deveria ficar sua sala particular, nos fundos. A porta tava trancada. Sem problema: meti duas balas no trinco e chutei. Vazia. Vasculhei o lugar todo e não encontrei a minha mala; apenas algumas raspas de cocaína em cima da mesa de vidro. Aquele puto andava cheirando do conteúdo da minha mercadoria.

Voltei correndo pro salão; o único som era o do tec tec tec da arma do Paulão – que estava de pé, com aquele sorriso insano no rosto, porém, mais furado do que queijo suíço. Todo mundo tinha morrido, nem a minha loira cheirada o cara tinha poupado. Nem aquela indiazinha gostosa que eu ia raptar depois se tudo tivesse dado certo. Saí pra fora.

O carro do Janda também não tava mais lá. Tentei telefonar pra ele e ninguém atendeu. Daí, levei algo que pareceu ser uma paulada, do lado da cabeça. No chão pude ver o rosto do Denis, antes de levar mais algumas e ficar tudo escuro. Isso vinha acontecendo muito, ultimamente. Eu tava precisando de umas férias.





3.



Nos filmes eles sempre mostram o herói da história sendo acordado – pelos seus algozes – com um balde de água fria na cara; sem camisa, sem sapatos, todo arrebentado, essas coisas. Sem camisa, sem sapatos e todo arrebentado eu tava, só que o balde era de água fervente. Pelo menos era melhor do que óleo ou ácido. A primeira coisa que eu vi foi a cara feia do Denis; a segunda foi o machado que ele tinha nas mãos. Olhei pro chão e esse estava recoberto com lona. Olhei em volta e encontrei a garrafa de alvejante, com “fragrância de abacaxi” ainda por cima. Havia também uma mesa cheia de “brinquedinhos”. Sabia o que me aguardava; tinha feito muito daquilo nos velhos tempos. Denis puxou um banco de metal e veio se sentar na minha frente, que nem nos filmes. Só que eu não consegui achar graça na hora.

– Bom, sabe qual era o meu apelido quando eu trabalhava nas ruas? – disse Denis, abrindo um corte com o machado no próprio dedo indicador, testando pra ver se estava afiado.

– Hum... Denise Engole Trabuco? – falei, com dificuldade pra abrir aquele mesmo olho que o Sushi-Ninja tinha arrebentado com um chute e que estava inchado novamente por causa daquelas pauladas que eu tinha levado.

– Haha, tenho que admitir que tu é um cara engraçado, pelo menos – e fez o machado descer em cima dos meus três dedos do pé esquerdo. – Me chamavam de Denis mesmo, nunca precisei de apelidinho pra meter medo em vago.

Segurei a vontade de gritar, mas não pude evitar que meus olhos lacrimejassem por causa da dor.

– Bom, isso é só o começo – disse, arrancando uma cutícula do dedo e cuspindo no chão, pra mostrar que aquilo pra ele era o mesmo que dar uma cagada antes de dormir. – Mas posso te adiantar que vou esticar isso até o máximo que eu puder... A não ser que você resolva cooperar comigo e me diga onde é que tá minha filha. Daí prometo deixar uma das tuas bolas intactas; você escolhe qual.

Não podia entregar a rapadura assim tão fácil; tinha que dificultar mais um pouco. Tinha uma fama a manter. Falei:

– Sabe, noite passada, quando eu fiz uma visitinha no quarto em que sua filha tava dormindo, achei que ia ter de pegar ela a força, mas que nada...

Vi uma veia pulsando na cara dele, que foi ficando cada vez mais vermelha enquanto eu relatava tudo que eu tinha feito com sua filha, ou melhor, o que ela tinha feito comigo. Num primeiro momento ele pareceu acreditar, mas depois, quando viu que eu tava sacaneando, ficou puto de verdade. Se levantou e foi até a garrafa de alvejante. Voltou, destampou o troço e jogou em cima do meu pé com três dedos faltando. Nisso, tive que gritar um pouquinho.

– Como eu disse, pretendo fazer isso bem devagar – falou, se levantando e pegando um martelo em cima da mesa.

Em seguida, Sushi-Ninja entrou pela porta. Com uma tipóia num dos braços e se apoiando numa bengala com o outro, parecia como uma tartaruga velha de oitocentos e cinquenta anos caminhando. Se aproximou da mesa e escolheu uma espada de samurai. Quando uma mosquinha passou em frente, cortou-a em dois pedaços. Tartarugas não faziam isso. Não fiquei muito feliz em descobrir.

Pra quebrar o gelo, falei:

– Tua orelha faltando até que combinou com o seu olho faltando. Agora eu tenho certeza: tu é o cara mais feio do mundo.

Eu esperava uma reação violenta – quis que se fodesse, que acabassem logo com aquilo –, mas o que “veio” me pegou de surpresa. Sushi colocou a espada de volta na mesa e tirou de dentro do bolso do terno umas fotos – sorria enquanto fazia isso, conseguindo ficar até mais feio do que antes. Quando me mostrou do que se tratava meu sangue gelou por completo: era a foto do cachorro da minha mãe, T-Bone, com a garganta cortada na frente da calçada da casa dela.

– Seu filho da puta, se você tocar nela juro que viajo até o Japão pra eliminar a tua árvore genealógica feiosa inteira!

– Hahahaha. Animal, tua velha até que tá boa das pernas – disse, o filho da puta. – Como é que dizem? – falou, se voltando pro Denis.

– “A galinha tá velha mas ainda dá um caldo” – respondeu, me olhando com maldade nos olhos. – Por enquanto ainda não fiquei com vontade de fazer nada. Pra te provar que eu tô falando a verdade, tá aqui a dentadura dela e aquele colar de pérolas falso – aliás, de muito mau gosto – que tu deve ter dado pra ela no aniversário de 150 anos.

Sushi riu largamente, sibilando entre aqueles dentes faltando que eu mesmo tinha arrancado naquela outra oportunidade.

Tudo certo, era a minha vez de provar um pouco do meu próprio veneno. Desviei o olhar dos pertences dela e tratei de me controlar. Recomecei:

– Tá legal. Vamos conversar.

Não que eu soubesse que diabos tinha acontecido. Disse que precisava de dois dias pra descobrir.

– Você tem um – Denis falou. – Se até meia noite do dia seguinte a minha filha não estiver aqui, largo o Caolho no cativeiro com a tua velha e depois te mando o que sobrar pelo correio.

Quando aquilo tudo terminasse eu pretendia dar praqueles dois uma morte extremamente dolorosa e lenta: machado, alvejante, lona e maçarico – pra ir cauterizando os lugares cortados, fazendo a coisa toda durar por pelo menos uns três dias.

Eles devolveram as minhas roupas e me soltaram. Não fiquei feliz em descobrir que eu tava no meio do nada. Havia um Uno Mille do lado de fora, com a chave na ignição. Queriam tirar onda com a minha cara MESMO...

Toda vez que eu trocava a embreagem, uma dor lancinante me cortava dali até o meio da minha mente. Alguém ia ter que pagar por isso.



Continua...

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Prato Frio Com Orelha de Porco

1.
Acordei com o puto do Jessé cantando irritantemente “voa, nas manhãs ensolaradas....Voa, no estalo do meu grito, quero ver teu infinito...”. Caralho, estalo era o som feito bigorna em meus ouvidos. Abri os olhos - somente o esquerdo, pois o direito se recusava – para ver se o diabo estava sorrindo para mim. Quando o mundo parou de girar e da noite fez-se luz, quem sorria para mim era o Janda. Fiquei me perguntando o que o Janda estaria fazendo no inferno. Será que recebeu a benção do Padre Amaro também?

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Vingança e outros pratos (1ª PARTE)

CAOLHO

Chovia pra cacete. Estacionei em frente ao “escritório” do chefe e entrei.
–– Coisinha linda, põe daquela tequila pra mim – falei pra garçonete, que circulava por lá só de calcinha fio dental e salto.
Notei uma garota nova no pedaço, meio indiazinha, com um rabinho delicioso. Assim que resolvesse a treta com o chefe Denis, ia grudar naquele rabo pelo resto da noite, pensei.